"Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida." (Provérbios 4:23)Buscando o significado da palavra originalmente traduzida como "fontes" (da vida), encontrei o seguinte, de acordo com o dicionário de hebraico bíblico Brown-Driver-Briggs:
tôtsâ'âh - saída, fronteira, extremidade, fim, fonte, escapeIsto nos mostra que nossa vida "sairá" pelo nosso coração, ou seja, é de lá que saem nossos pensamentos, ideias, imaginações, palavras e atitudes. Veja o que Jesus falou sobre isto:
"Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, fornicação, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias." (Mateus 15:19)Eu sou formado em Engenharia Civil pela UFRN, onde me graduei em 2001. Não posso dizer que era um sonho de infância meu fazer tal curso, então, por que eu decidi estudar engenharia civil? Bem, a resposta é o seguinte: algum tempo antes de eu prestar vestibular, um tio meu que trabalhava na Universidade me perguntou qual era a área que eu mais gostava. Eu já havia feito alguns testes vocacionais, e que haviam me indicado cursos do tipo Agronomia ou coisas ligadas a esta área.
Aquele meu tio me indicou a engenharia, pois me disse: "Se você quer um curso da área tecnológica, então, faça Engenharia Civil, pois é o melhor curso da área". Ora, aquelas palavras entraram em meu coração e deram fruto. Decidi prestar vestibular para Engenharia Civil, tendo sido aprovado e cursado este curso por 11 longos anos (não vou explicar o porquê deste lapso temporal aqui por ser uma longa história).
Onze anos de minha vida dedicados a este curso, e tudo isto devido a uma ideia que foi semeada em meu coração por meu tio. Veja, em termos práticos, como funciona o coração: ele recebe informações, que funcionam como "sementes", e produz ações, que são os "frutos".
O Coração é Enganoso?
Muitas vezes, tive receio de ser guiado pelo meu coração porque ouvi pregadores ensinando que, de acordo com a Bíblia, o nosso coração é muito enganoso. O versículo utilizado para fundamentar tal afirmação é o seguinte:
"Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?" (Jeremias 17:9)Já, em outras vertentes, me foi ensinado que, na Nova Aliança, podemos sim ser guiados pelo coração, tendo em vista que este foi trocado por um novo coração. Vemos esta promessa no seguinte verso bíblico:
"E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne." (Ezequiel 36:26)Além disso, temos o Espírito Santo, nosso Guia e Consolador, O qual habita em nós após ter sido enviado por Deus. O Espírito Santo foi derramado em nossos corações, de acordo com Romanos 5:5.
Então, após tudo isto, o que podemos concluir? O nosso coração é ou não um bom guia?
Coração: Um Centro de Distribuição
Uma figura que pensei sobre como comparar o coração é a de um CD - centro de distribuição. Estes centros são setores bem comuns em grandes empresas, como, por exemplo, os Correios. Veja uma definição deste conceito:
"Um centro de distribuição, também conhecido como CD, é uma unidade construída por empresas industriais, retalhistas, para armazenar os produtos produzidos ou comprados para revenda, com a finalidade de despachá-los para outras unidades, filiais ou clientes." (Wikipédia, verbete "Centro de Distribuição")Através de um CD, as unidades de produção (ONDE o produto é feito) conseguem levar seus itens até o destino final, onde serão vendidos aos clientes finais. Tudo passa pelo CD.
Da mesma forma, o coração humano recebe os "produtos" das diferentes unidades produtoras (espírito, alma ou corpo) para que seja transformado, ou não, em ações. Explicarei melhor isto que acabei de falar mais adiante.
Os espíritos se comunicam pelo coração
Muitas pessoas acham que quando espíritos (anjos ou demônios) falam com os homens, eles se materializam em forma física para tal finalidade. No entanto, apesar de ser possível, dificilmente isto ocorre. Em geral, os espíritos se comunicam conosco através do coração.
Já vimos que o Espírito Santo foi derramado em "nossos corações" (Romanos 5:5), e, portanto, Ele se comunica conosco através de nosso coração. Desta forma, algo que é muito perigoso é quando nós O resistimos, endurecendo nosso coração para a Sua voz:
"Portanto, como diz o Espírito Santo: Se ouvirdes hoje a sua voz, não endureçais os vossos corações, como na provocação, no dia da tentação no deserto." (Hebreus 3:7-8)Raramente, vemos Deus falando com uma voz "exterior". Particularmente, eu nunca ouvi Deus falar comigo com uma voz externa, apesar de já ter ouvido raros testemunhos neste sentido. Geralmente, a voz do Espírito Santo é ouvida dentro de nosso coração, e é o que a Bíblia ensina, conforme vimos no verso acima.
Além do Espírito Santo, o próprio satanás também se comunica conosco através do coração, o que pode soar como uma ideia ou pensamento. Vejamos o caso de Ananias e Safira, um casal que teve uma "ideia" maligna e se uniram para mentir aos apóstolos:
"Disse então Pedro: Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo, e retivesses parte do preço da herdade?" (Atos 5:3)É bem interessante o uso da palavra "encher" aqui. Você lembra que em Efésios 5:18, o verbo "encher" também é usado se referindo ao Espírito Santo? O que significa o fato de um espírito encher o ser humano? Ora, significa que o referido espírito (seja Deus, seja outros) está comunicando ao homem certas coisas.
No caso do Espírito Santo, Ele nos comunica amor, alegria, paz, cura, etc. Já no caso de satanás, ele tenta nos comunicar tentações, mentiras, etc. Ou seja, cada espírito tenta comunicar o que ele tem, não é verdade?
O fato é que, claramente, as Escrituras mostram que esta comunicação é feita através de nosso coração. Portanto, precisamos discernir qual a origem do que está sendo comunicado.
Discernindo entre o corpo e o espírito (humanos)
Comecemos pelo mais "manifesto", ou seja, aquilo que é mais claro, que é a diferença entre os desejos do corpo/carne e os desejos do espírito recriado. Já aprendemos que, quando nos convertemos a Cristo, somos transformados instantaneamente no espírito (caso queira revisar esta verdade, veja: João 3:3-7 e 2 Coríntios 5:17), mas que o corpo não é mudado e continua com os mesmos desejos antigos.
Desta forma, os desejos do seu corpo são contrários aos desejos do seu espírito, por isto, são mais fáceis de serem discernidos.
"Porque a carne cobiça contra o espírito, e o espírito contra a carne; e estes opõem-se um ao outro, para que não façais o que quereis." (Gálatas 5:17)Aproveito este momento para esclarecer que a palavra "espírito", em muitas traduções, está com a letra inicial maiúscula, dando a entender que é o Espírito Santo. No entanto, acredito que esta palavra se refira ao espírito humano recriado. Obviamente, o Espírito Santo também terá vontades que são contrárias à carne, mas a luta que é travada dentro de nosso coração não é do Espírito Santo contra nosso corpo, mas sim do nosso próprio espírito nascido de novo e da nossa própria carne.
"Mas cada um é tentado pela sua própria cobiça [do seu corpo], quando esta o atrai e seduz;" (Tiago 1:14, NVI)Nosso espírito recriado não possui o desejo de pecar, pelo contrário, ele está unido a Cristo, e deseja exatamente o que Cristo deseja:
"Mas o que se ajunta com o Senhor é um mesmo espírito." (1 Coríntios 6:17)Assim, quando o nosso coração recebe desejos, pensamentos, impulsos, etc. de prostituição, malícia, mentira, corrupção, etc. ficará claro que vem do corpo e não do espírito. Estas vontades precisam ser "mortificadas". A palavra original grega para mortificar é tanatôo que quer dizer "fazer morrer" (literalmente ou figurativamente):
"Porque, se viverdes segundo a carne, morrereis; mas, se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis." (Romanos 8:13)Ora, não há como você fazer seu corpo morrer para os seus desejos se você nem ao menos consegue discernir que desejos são esses. Assim, o apóstolo Paulo prossegue expondo quais são os desejos da carne:
"Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: adultério, fornicação, impureza, lascívia..." (Gálatas 5:19)E, logo após isto, mostra os desejos do espírito:
"Mas o fruto do espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança." (Gálatas 5:22)Mais uma vez, lembro a mesma coisa com relação à palavra "espírito", como originalmente a Bíblia foi escrita apenas com letras maiúsculas, os tradutores precisam interpretar se o termo se refere ao Espírito Santo de Deus ou ao espírito humano. No caso acima, entendo ser o fruto do espírito humano, apesar de quê, o Espírito Santo está unido a nós em espírito, conforme já vimos.
Discernindo entre a alma e espírito (humanos)
A separação entre as vontades do corpo e do espírito humanos são mais claras, já que são exatamente opostas, mas a separação entre a alma e o espírito não é clara. Somente a Palavra de Deus é capaz de penetrar até esta divisão, pois vai além do mundo físico:
"Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada alguma de dois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito (...)." (Hebreus 4:12)
A palavra grega aqui traduzida como espada (grego: machaira), de fato, se refere a uma faca longa, usada principalmente para cortar carne. O que nos passa a ideia de separar em partes distintas. Usando as Escrituras, nós podemos separar o que vem do espírito do que vem da alma.
Um exemplo bem claro e que mostra que até Jesus possuía uma vontade diferente da vontade de Deus, no entanto, sem ser pecado, está no evangelho de João:
"Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou." (João 6:38)Nesta passagem das Escrituras, Jesus deixa claro que Ele tinha uma vontade própria, mas que não era a vontade do Pai. Em outra ocasião, isto também fica evidente:
"E, indo um pouco mais para diante, prostrou-se sobre o seu rosto, orando e dizendo: Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres." (Mateus 26:39)
Pelas Escrituras e pelo Espírito Santo, Jesus sabia exatamente qual era a vontade do Pai: Ele precisaria morrer crucificado para, assim, levar nossos pecados e nos libertar do poder das trevas. No entanto, qualquer pessoa normal não gostaria de morrer daquela forma - crucificado - uma condenação dolorosa e humilhante (o crucificado morria agonizando, nu, publicamente exposto).
Deus colocou em nós o instinto de sobrevivência, nós temos a tendência natural de fugirmos da dor, da humilhação, etc. Era perfeitamente compreensível Jesus desejar não passar por aquilo. Contudo, Ele sabia ser a vontade do Pai, e, assim, se submete até a morte.
Entendo que, naquele momento, era a alma de Jesus que gostaria de, se possível, evitar ter que levar sobre si todos os pecados da humanidade. Ora, Jesus não desejava as "obras do corpo", pois Ele não tinha pecado. Talvez nosso Senhor desejasse casar, ter filhos, ter um emprego, ou seja, coisas que não são pecado, mas que não eram a vontade do Pai pra Jesus.
Entendendo o termo "alma"
É muito comum as pessoas fazerem confusão no que diz respeito ao significado do termo "alma", pois geralmente esta palavra é usada como sinônimo de "espírito". Lembro que na época de minha conversão, eu usava os termos "espírito" e "alma" com o mesmo sentido, e já vi pessoas fazendo o mesmo, inclusive cristãos.
Contudo, dentro do contexto bíblico, a palavra grega psyquê, que é traduzida como "alma", tem um sentido diferente de "espírito". Como já expliquei anteriormente, a alma compreende nosso intelecto e emoções. A alma é moldada pelo que aprendemos ao longo de nossas vidas, formando o que é conhecido como "cosmovisão", ou seja, é a forma como entendemos o mundo ao nosso redor, nossa percepção do mundo.
Um breve testemunho
Gostaria de ilustrar esta diferença entre os desejos da alma versus os desejos do espírito com um testemunho ocorrido logo no início da minha fé.
Como expliquei no início deste texto, entrei no curso de Engenharia Civil por uma indicação de meu tio, no entanto, após minha conversão (e mesmo um pouco antes dela), eu já havia me desgostado daquele curso, e desejava abandoná-lo.
Quando me converti e comecei a conhecer todo um mundo novo que já existia mas que me era desconhecido, comecei a desenvolver eu meu coração o desejo de me aprofundar mais e mais na Bíblia e de me dedicar ao trabalho missionário. Assim sendo, decidi abandonar a faculdade e partir para missões.
Apesar dos protestos da minha família, propus em meu coração trancar o curso de engenharia e me dedicar ao estudo teológico, e talvez, assumir alguma congregação no interior do estado do RN, onde eu moro. Acreditava que esta era a vontade de Deus.
Um certo dia, fui até a reitoria para solicitar o trancamento e fui surpreendido com a informação de que eu não poderia trancar o curso, pois estava devendo livros à Biblioteca. Me foi passada lista de livros, os quais eu encontrei e devolvi no dia seguinte. Só que, devido aos vários anos de atraso, fiquei com uma multa enorme que precisaria pagar para poder trancar o curso.
Esta situação me deixou abalado em minhas ideias, pois acreditava que Deus queria que eu me dedicasse à sua obra.
Naquele mesmo dia, à noite, estava em uma aula na UFRN, enquanto me questionava o porquê eu não havia conseguido trancar o curso e como faria para prosseguir com meus planos. Enquanto pensava nisso, durante a aula (estava absorto em meus pensamentos e não prestava atenção ao que o professor dizia), ouvi uma voz interior falar "Eu vou fazer de você um grande engenheiro, quero que termine o curso".
Senti que era Deus falando comigo, e aquilo me deixou muito surpreso, pois não era o que eu entendia. Finalmente, pude compreender que realmente era a vontade de Deus que eu estivesse ali, e que precisaria me dedicar. Assim, prossegui com o curso, tendo concluído Engenharia Civil no ano de 2001.
Conclusão
Podemos resumir a questão da seguinte forma:
- A vontade da minha alma era largar a faculdade e me dedicar à obra de Deus de forma integral (veja que não há nada de pecado nisto).
- No entanto, não era a vontade de Deus para mim naquele momento.
- A Palavra de Deus veio ao meu coração, e pude entender que, apesar de ser um desejo piedoso, não era a vontade de Deus.
- Meu espírito sabia disto, pois nosso espírito recebe diretamente do Espírito Santo, no entanto, minha alma (intelecto) não sabia.
Coisas como esta que testemunhei já aconteceram diversas vezes comigo, e, muitas vezes, é necessário dedicar tempo em oração e jejum para podermos receber o entendimento da perfeita vontade de Deus para nós.
Que a paz do Senhor seja com o teu espírito. Amém.
Pr. Wendell Costa
Nenhum comentário:
Postar um comentário