Dentre os sábios do seu tempo, certamente, o apóstolo Paulo era um dos mais proeminentes. Inclusive, quando se defendeu perante o rei Agripa, Paulo foi acusado pelo governador Festo de que “as muitas letras (que Paulo sabia) faziam com que ele “delirasse”. (Atos 26:24).
No entanto, para poder adquirir um conhecimento superior, esse grande homem de Deus teria que abrir mão de muitas coisas. Ele precisaria renunciar ao que ele era e aos saberes que detinha, e Paulo escolheu pagar esse preço. Este é o conhecimento de Cristo, ou seja, o conhecimento da salvação que Deus Pai proporcionou para o homem pecador através de Seu Filho.
Passemos aos versos que estudaremos nesta postagem:
“Mas o que para mim era ganho reputei-o perda por Cristo.
E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas e as considero como esterco, para que possa ganhar a Cristo.
E seja achado nele, não tendo a minha justiça que vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus, pela fé;
Para conhecê-lo, e a virtude da sua ressurreição, e a comunicação de suas aflições, sendo feito conforme a sua morte;” (Filipenses 3:7-10)
A influência do agnosticismo dentro da igreja
Nestes tempos, tenho percebido uma forte influência da filosofia agnóstica dentro da cultura cristã. Caso você não saiba o que é agnosticismo, vou esclarecer:
Agnosticismo
“Doutrina que reputa inacessível ou incognoscível ao entendimento humano a compreensão dos problemas propostos pela metafísica ou religião (a existência de Deus, o sentido da vida e do universo etc.), na medida em que ultrapassam o método empírico de comprovação científica.” (Dicionário Oxford Languages)
Basicamente, o agnóstico nega a capacidade do homem de compreender as coisas metafísicas, o que inclui muitas das verdades reveladas pelas Escrituras. De maneira geral, isso implica em uma negação ao conhecimento das realidades eternas e espirituais, em especial, o conhecimento que as religiões (entre as quais o cristianismo) oferece.
Em termos práticos, no dia a dia da vida cristã, é possível encontrarmos pessoas, na igreja, que afirmam coisas do tipo: “os caminhos de Deus são misteriosos”, “Não há como conhecer Deus”, etc., ou seja, dá-se a entender que não é possível o ser humano compreender Deus e a Sua vontade.
Nos versículos que citei anteriormente, vemos Deus, através de Paulo, falando sobre a “excelência do conhecimento de Cristo Jesus” e, depois, no verso 10, ele nos fala o objetivo de ter que abrir mão do que tinha antes: “Para conhecê-lo”. O que nos mostra que Deus deseja ser conhecido e proveu os caminhos para isso.
Ora, o próprio Senhor Jesus Cristo resume a vida eterna da seguinte forma:
“E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.” (João 17:3)
A palavra traduzida por “conheçam” é o verbo grego γινώσκω (gnosko), que significa conhecer, compreender, etc. Este verbo vem da palavra γνῶσις (gnosis), que quer dizer “inquérito, investigação ou conhecimento”. A própria palavra “agnosticismo” deriva da palavra gnosis com o acréscimo da letra “a” (em grego, é usado a letra “alfa”). Assim, a palavra a-gnóstico refere-se a algo que não pode ser conhecido/compreendido/investigado.
Assim sendo, o agnosticismo é uma filosofia contrária às Escrituras, pois nega a nossa capacidade em compreender Deus e as coisas espirituais. A própria revelação divina, que veio das Escrituras Sagradas, perderia totalmente o sentido se, de fato, não pudéssemos compreender as coisas “metafísicas” (espirituais).
Os rituais religiosos
Como fariseu, o apóstolo Paulo era um profundo conhecedor da lei de Moisés. De acordo com o livro de Hebreus, a Lei mosaica trazia diversos tipos de sacrifícios, rituais e abluções (purificações), que deveriam ser praticadas continuamente (Hebreus 9:10).
Apesar de a lei de Moisés ter cumprido o seu papel de apontar a necessidade de salvação, ela foi cumprida e encerrada por Jesus, que inaugurou uma Nova Aliança, não mais sobre o sangue de animais, mas com Seu próprio sangue (Hebreus 9:12).
Todos aqueles elementos da Lei eram tipos ou figuras, que apontavam para Cristo e a Nova Aliança, a qual haveria de ser inaugurada por Deus num futuro. Agora, nesta aliança, não há mais necessidade da manutenção de figuras, pois já temos o “real”. De fato, a Lei é chamada de “sombra”:
“Porque tendo a lei a sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas (...)” (Hebreus 10:1a)
Vou criar uma espécie de parábola, para que você compreenda essa questão. Imagine que você vai se encontrar com alguém que nunca viu pessoalmente, e marcam o encontro em uma esquina. Na hora marcada, você se aproxima da esquina e percebe que a outra pessoa está chegando, através da sombra projetada.
Pela sombra, você consegue identificar algumas características da pessoa: se é magra ou gorda, se tem barriga, o tamanho do cabelo, etc. Contudo, muitos outros detalhes não são mostrados pela sombra, tais como cor da pele, cor dos olhos, detalhes da roupa, etc.
Finalmente, você vira a esquina e vê a outra pessoa em todos os detalhes. Mas então, você age de forma estranha, pois começa a olhar pra sombra dessa pessoa, tentando conhecê-la melhor!
Ora, se você já está olhando para o indivíduo, não há mais necessidade de tentar entender os detalhes dele através da sombra! Não é verdade?
No entanto, existem diversas igrejas e movimentos que tentam resgatar as imagens da lei mosaica para dentro do culto neotestamentário, tentando implantar elementos da Lei, tais como a arca da aliança, o candelabro e certas roupas características, bem como doutrinas extraídas exclusivamente a partir do Velho Testamento.
Por causa disso, no livro de Filipenses, mais uma vez, o apóstolo Paulo combate a prática dos rituais da Lei mosaica dentro da igreja, reforçando o fato de que a nossa justificação não vem pela prática da Lei, mas simplesmente pela fé em Jesus Cristo. Daí, também inferimos que o conhecimento de Cristo não é obtido por meio da prática de rituais religiosos, semelhantes aos da Lei, mas através das revelações de Deus, por meio de Cristo, tendo, agora, o “real” e não mais uma “sombra”.
Importante destacar que o Velho Testamento é sim a Palavra de Deus, contudo ele precisa ser interpretado com a luz que veio no Novo Testamento, de forma a ser corretamente compreendido. Muitas pessoas e igrejas da atualidade erram quando desconsideram a doutrina da Nova Aliança e se baseiam quase que completamente nos textos do Velho Testamento para ensinar sobre Deus.
“Porque a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo.” (João 1:17)
Somente a partir da Nova Aliança, o Espírito Santo foi colocado dentro de nossos espíritos, porque o novo nascimento só veio através de Cristo. A lei de Moisés não foi dada para tornar o homem justo, mas para expor o pecado, ou seja, a natureza pecaminosa que havia dentro do homem. Assim sendo, os santos do velho testamento não tinham condições de compreender plenamente as realidades espirituais da mesma forma como hoje temos e, por isso, precisavam das figuras trazidas pela lei para formarem seu entendimento.
Abrir mão do conhecimento do mundo
Mesmo com todo o status trazido pela sua posição social enquanto fariseu, Paulo optou por abrir mão de tudo aquilo, em prol do conhecimento de Cristo. O que nos traz uma importante lição: é necessário abrirmos mão do conhecimento mundano para que possamos adquirir o conhecimento divino.
O apóstolo Tiago nos ensina que não é possível termos uma fonte que jogue água doce e amarga ao mesmo tempo:
“Porventura, deita alguma fonte, de um mesmo manancial, água doce e água amargosa?
Meus irmãos, pode também a figueira produzir azeitonas ou a videira, figos? Assim, tampouco pode uma fonte dar água salgada e doce.” (Tiago 3:11,12)
Uma vez que o mundo foi contaminado pelo mal, praticamente todo o conhecimento que existe nesta terra está misturado. Você se recorda que a tentação inicial que houve no Jardim do Éden foi exatamente para que o homem comesse da árvore do “conhecimento do bem e do mal”?
Uma vez que Adão permitiu que o conhecimento misturado entrasse dentro de si, isso afetou toda a raça humana. A partir de então, o homem ficou exposto a um conhecimento corrompido, que tem seu lado bom, mas que mistura com a rebelião contra Deus. Um bom exemplo é o conhecimento obtido pela ciência da Biologia: por um lado, aprendemos coisas importantes sobre a natureza, por outro lado, aprendemos que o homem e o macaco vieram de um mesmo ancestral.
Mas, em Filipenses 2:15, já vimos que somos chamados para sermos “irrepreensíveis e sinceros [GREGO: AKÉRAIOS], filhos de Deus inculpáveis, no meio de uma geração corrompida e perversa”. Isso nos mostra que precisamos buscar uma purificação do conhecimento (o qual gera comportamento) misturado deste mundo. A palavra grega AKÉRAIOS significa puro ou “não misturado”.
Não é que seja errado você estudar a ciência humana, mas é necessário guardarmos o nosso coração, para não nos deixarmos corromper pela rebelião contra Deus, que está misturada dentro das ciências humanas. É preciso que a nossa base seja a Palavra de Deus. Todas as demais coisas precisam ser julgadas por ela.
Além disso, na medida do possível, devemos ter uma atitude de separação diante do mundo, tentando, ao máximo, evitar a contaminação com o conhecimento misturado que Adão permitiu entrar na terra.
Portanto, minimize o conhecimento secular que entra no seu coração, restringindo ao que seja essencial ao seu ofício ou aos seus estudos. Principalmente, dedique-se ao estudo e meditação das Escrituras Sagradas, para que a Palavra de Deus seja o fundamento da sua vida e você tenha condições de examinar tudo por meio dela.
Participantes do sofrimento de Cristo
O último ponto que tratarei neste estudo é de fundamental importância. Já percebi um engano presente em muitas pessoas que desejam conhecer mais da Bíblia: querem apenas conhecer intelectualmente as Escrituras, muitas vezes, apenas para ganhar discussões ou debates com as outras pessoas, e não para viver a natureza divina em suas vidas.
Vejamos o último versículo estudado:
“Para conhecê-lo, e a virtude da sua ressurreição, e a comunicação de suas aflições, sendo feito conforme a sua morte;” (Filipenses 3:10)
É fundamental compreendermos que os itens que o apóstolo Paulo citou, no versículo acima, estão interligados: não há como conhecermos a virtude da ressurreição de Cristo sem sermos também participantes de Seus sofrimentos.
O conhecimento e a sabedoria que Deus nos entrega não são para desenvolver em nós a soberba, sobressaindo-nos das outras pessoas em discussões e contendas de palavras. O conhecimento divino nos é dado para que possamos viver Cristo aqui na terra, andando em amor e sendo imitadores do Senhor em tudo. De fato, são ferramentas para que possamos cumprir o chamado divino de filhos e servos, assim como foi com Cristo, que sendo Deus, se fez escravo (Filipenses 2:5-8).
Sobre os sofrimentos de Cristo, há muito que se falar, no entanto, não está no escopo deste estudo. Mas, de forma resumida, podemos listar alguns desses sofrimentos:
- Deixou a Sua glória de Rei Celestial e veio a este mundo caído, nascendo em um estábulo, ficando sobre uma manjedoura, que é o local onde se coloca alimento para os cavalos.
- Sendo um Espírito eterno, se fez mortal e suscetível ao cansaço, fome, dores, sangramento e à morte.
- Sendo o Criador de tudo, foi humilhado, criticado, espancado e assassinado injustamente pelas suas próprias criaturas.
- Foi fiel até a morte, e morte de cruz.
- Dentre outras coisas…
Assim, para compreendermos plenamente o conhecimento de Cristo, é necessário ir muito além do mero conhecimento intelectual. É necessário experimentarmos Cristo por completo, pois o conhecimento que Deus nos dá em Cristo não é apenas informação, mas vida.
Por fim, é necessário também entender que o crescimento espiritual é gradativo. Não teremos condições de implementar todas estas coisas em nossas vidas da noite para o dia. Mas é necessário a vez um passo firme nessa direção. Deus é aquele que nos conduz nesse processo, implantando Sua Palavra em nosso coração e nos dando força para prosseguir na jornada de crescimento.
Conclusão
O “pacote” da salvação é completo, tendo um conhecimento e sabedoria superiores, mas que também envolve certos tipos de sofrimentos que passamos por causa do nosso Senhor.
Somos abençoados com toda sorte de bênçãos, nas regiões celestiais, mas fomos alertados que neste mundo teríamos aflições e que seríamos perseguidos por causa de Cristo.
Temos acesso à Palavra que salva, instrui e liberta, mas devemos vigiar, para que esta Palavra encontre solo fértil no nosso coração e dê muitos frutos.
Para isso, precisamos ter um alvo claro em nossa mente, a fim de nos motivarmos para encarar esse processo de adquirir o conhecimento de Cristo.
Que a graça do Senhor Jesus Cristo seja com você.