Quando me converti ao Senhor, em maio de 1995, minha primeira impressão era de que as pessoas que frequentavam as igrejas evangélicas eram todas muito santas e quase “perfeitas”. Contudo, pouco tempo depois, eu entendi que não era bem assim.
Eu mesmo percebi que, embora eu tivesse sinceramente decidido por seguir a Cristo, ainda havia muitos defeitos em mim, que levariam anos para serem vencidos. Alguns deles ainda precisam ser tratados até hoje! O processo de santificação dura toda a nossa vida.
Voltando à época da minha conversão, recordo que, como era músico profissional, não podia frequentar a igreja nos finais de semana, pois estava, geralmente, viajando a trabalho. Por causa disso, eu frequentava um culto que acontecia no meio da semana, onde iam muitos jovens. Nessa época, eu já era casado, mas tinha apenas 21 anos de idade.
Lembro que, no primeiro domingo em que pude ir à escola dominical, o pastor da igreja estava pedindo perdão aos irmãos por um fato que considerei inusitado: um “irmão” da igreja havia defraudado outros irmãos. Aquele membro da igreja havia pedido dinheiro emprestado a alguns e comprado no nome de outros, depois havia sumido da congregação.
Aquele fato, de certa forma, foi um choque para mim, pois eu acreditava que aquelas pessoas eram muito “perfeitinhas” e que esse tipo de problema não acontecia dentro das igrejas evangélicas.
Hoje, eu entendo que nos círculos cristãos existe todo tipo de indivíduo. Deus, através do apóstolo Paulo, nos alerta sobre algumas categorias de pessoas que comumente encontramos no ambiente comunitário da igreja. Nesta postagem, falaremos sobre os “cães”.
“Guardai-vos dos cães, guardai-vos dos maus obreiros, guardai-vos da circuncisão;” (Filipenses 3:2)
O que representam os “cães”
Cães (cachorros) são animais domésticos, ou seja, convivem conosco no dia a dia. Atualmente a importância dos cães tem aumentado, sendo, inclusive, permitida a entrada desse tipo de animal em shoppings e até mesmo em voos, como acompanhantes. Em termos de animais domésticos, o cão é considerado o “melhor amigo do homem”.
Nos tempos bíblicos, isso já era comum, ou seja, os cães viviam na sociedade, fazendo parte da vida dos homens. Assim sendo, quando Deus fala sobre “cães”, Ele se refere a pessoas “domésticas”, ou seja, que convivem conosco dentro da igreja. Essa comparação entre seres humanos e animais é bastante comum na Bíblia, não com intuito de menosprezar o ser humano, mas de, tão somente, criar uma imagem mental, para fins de aprendizado.
No caso do “cão”, seu uso se referindo a um ser humano, de fato, possui uma conotação negativa dentro do contexto bíblico. Vejamos o que o apóstolo Pedro explica acerca de tal comparação:
“Porquanto se, depois de terem escapado das corrupções do mundo, pelo conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, forem outra vez envolvidos nelas e vencidos, tornou-se-lhes o último estado pior do que o primeiro.
Porque melhor lhes fora não conhecerem o caminho da justiça, do que, conhecendo-o, desviarem-se do santo mandamento que lhes fora dado;
Deste modo sobreveio-lhes o que por um verdadeiro provérbio se diz: O cão voltou ao seu próprio vômito, e a porca lavada ao espojadouro de lama.” (2 Pedro 2:20-22)
Pedro cita Provérbios 26:11, um verso que já usa essa imagem mental de um “cão voltando ao seu próprio vômito”, a fim de mostrar qual a visão de Deus acerca das pessoas que se convertem, mas acabam voltando à prática do pecado, ainda que permaneçam dentro da igreja.
Por que se guardar?
Existem vários motivos pelos quais precisamos nos guardar, ou seja, observar e nos proteger dos “cães”. Vejamos alguns desses motivos.
1º) As más companhias corrompem os bons costumes
“Não se deixem enganar: as más companhias corrompem os bons costumes.
Como justos, recuperem o bom senso e parem de pecar; pois alguns há que não têm conhecimento de Deus; digo isso para vergonha de vocês.” (1 Coríntios 15:33,34)
Quando Deus nos criou, Ele nos dotou de uma capacidade de agregação, que gera comunidades. É perfeitamente comum médicos se agregarem a outros médicos formando associações, músicos se agregarem a outros músicos, e assim por diante. De maneira geral, isso é salutar, porque há um compartilhamento de informação e sabedoria, que leva as pessoas a crescerem e se desenvolverem como pessoa e como profissional.
Contudo, devido ao pecado que entrou no mundo, temos que lidar com a influência negativa que as pessoas podem ter sobre nós. Quanto mais intensa for a convivência, mais forte será a influência daquela pessoa nas nossas vidas.
O empreendedor, autor e palestrante motivacional americano Jim Rohn chegou a formular a seguinte frase: “Você é a média das cinco pessoas com quem mais convive.” Ora, é inegável a influência das pessoas sobre nós e, portanto, é imprescindível que guardemos o nosso coração de pessoas que vivam para o pecado, mas que estejam vivendo muito próximas a nós, por causa dessa influência negativa, especialmente daqueles que chamamos de “irmãos”.
Nos versos citados acima (1 Coríntios 15:33,34), algumas pessoas que não tinham conhecimento de Deus estavam influenciando a Igreja em Corinto, negando a ressurreição de Cristo e, dessa maneira, provocando incredulidade na igreja.
2º) O pecado de alguns gera tentação para os que não estão firmes na fé
Quando estamos na fase da infância ou adolescência, somos mais vulneráveis às influências externas. Existem diversos estudos que provam a relação entre o que uma criança ou adolescente assiste na TV (ou outro tipo de mídia) e o seu comportamento. Assim também, quando nos convertemos a Cristo, somos como que “crianças na fé” e ainda não temos firmeza para suportar tentações mais intensas, pois a Palavra de Deus ainda não está suficientemente desenvolvida em nós.
Dessa maneira, é fundamental que questões de pecado entre os crentes sejam tratadas por pessoas maduras na fé, de forma a que os novos convertidos não sejam tentados a voltar aos seus pecados passados. Observe o conselho do apóstolo Paulo:
“Irmãos, se alguém for surpreendido em algum pecado, vocês que são espirituais deverão restaurá-lo com mansidão. Cuide-se, porém, cada um, para que também não seja tentado.” (Gálatas 6:1)
Assim, a presença de cristãos que constantemente caem em pecados passados precisa ser observada para não gerar escândalo e tentações nos demais, em especial, nos novos convertidos. O quanto for possível, é bom que evitemos a comunhão mais intensa com esse tipo de pessoa.
3º) Os cães rejeitam as coisas santas
Uma outra característica dos cães é que eles rejeitam as coisas santas, as quais são verdades bíblicas que geram santidade em nós. Vejamos a orientação dada pelo Senhor Jesus acerca disso:
“Não deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas pérolas, não aconteça que as pisem com os pés e, voltando-se, vos despedacem.” (Mateus 7:6)
Em minha vida pastoral, já tive oportunidade de orientar muitas pessoas acerca de quais são os comportamentos adequados (ou inadequados) ao discípulo de Cristo, ou seja, oriento as pessoas a que tenham uma disposição mental para a pureza, tanto da mente como do corpo. Mesmo quando a pessoa ainda é nova convertida e criança em Cristo, se ela estiver com o coração aberto ao Senhor, dará ouvidos aos meus conselhos, mesmo que tenha uma natural dificuldade de caminhar nos mandamentos, no começo da sua fé.
Contudo, quando a disposição mental do indivíduo for carnal, ele vai rejeitar os conselhos e pode até mesmo se voltar contra mim. Desta maneira, ao identificar um comportamento “canino”, a minha atitude será de alerta e cuidado, tanto comigo como com as demais pessoas do grupo ou igreja da qual faço parte.
Uma boa orientação é orar para que Deus quebrante o coração dessa pessoa, de forma que ela venha, no futuro, a dar ouvidos ao Espírito Santo.
Veja o conselho de Paulo a Timóteo:
“E rejeita as questões loucas e sem instrução, sabendo que produzem contendas.
E ao servo do Senhor não convém contender, mas, sim, ser manso para com todos, apto para ensinar, sofredor;” (2 Timóteo 2:23-24)
Devemos “observar”, a fim de nos proteger
Quando o apóstolo Paulo falou “guardai-vos dos cães”, o verbo utilizado, na verdade, é a palavra grega βλέπω (blepo), que quer dizer “ver, observar, perceber”, a qual foi traduzida como “acautelai-vos” ou “guardai-vos”. Então, por que não foi utilizado o verbo grego correspondente a “proteger-se”?
A explicação reside no fato de que esse tipo de pessoa, citado por Paulo em Filipenses 3:2, está na igreja, e não há muito o que fazer a respeito disso. As igrejas, em geral, são locais públicos, onde qualquer pessoa pode ter acesso. Simplesmente, não há como os líderes das igrejas expulsarem as pessoas pelo fato de elas ainda cometerem pecados.
Muitas pessoas que hoje podem ser consideradas “cães” têm o potencial de se arrependerem posteriormente e se tornarem discípulos exemplares de Cristo.
O Senhor Jesus contou a parábola do joio e do trigo para ilustrar uma situação parecida. Na parábola, um inimigo lança joio no meio de um campo de trigo, e os servos do dono do campo perguntam se devem arrancar o joio:
“E ele lhes disse: Um inimigo é quem fez isso. E os servos lhe disseram: Queres pois que vamos arrancá-lo?
Ele, porém, lhes disse: Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis também o trigo com ele.
Deixai crescer ambos juntos até à ceifa; e, por ocasião da ceifa, direi aos ceifeiros: Colhei primeiro o joio, e atai-o em molhos para o queimar; mas, o trigo, ajuntai-o no meu celeiro.” (Mateus 13:28-30)
Portanto, vemos que o Senhor Jesus não vai fazer a separação do joio do trigo neste momento. Um dia isso acontecerá. Agora, no tempo presente, sempre há oportunidade de arrependimento para todos.
Conselhos práticos
1) Não entre em debates e contendas, pois isso não vai produzir santidade, mas sim divisões e perda de foco.
2) Se tiver oportunidade de aconselhar o irmão sobre alguma questão de pecado, faça, mas depois de algumas vezes, se perceber que ele se arrepende apenas da “boca pra fora”, evite tal pessoa.
“Mas não entres em questões loucas, genealogias e contendas, e nos debates acerca da lei; porque são coisas inúteis e vãs.
Ao homem herege, depois de uma e outra admoestação, evita-o,
Sabendo que esse tal está pervertido, e peca, estando já em si mesmo condenado.” (Tito 3:9-11)
3) Não tente aconselhar alguém que está preso em pecado se você não é maduro na fé e firme naquela área onde a pessoa está pecando, porque poderá levar você a ser tentado e a cair em pecado. (Gálatas 6:1)